Função administrativa

 Função administrativa

 

Conforme visto no módulo anterior, o direito administrativo pode ser conceituado como sendo “ramo do Direito Público que estuda princípios e normas reguladores do exercício da função administrativa” (MAZZA, 2017, p. 75).

 

Percebe-se que compreender o conteúdo da expressão função administrativa é indispensável para se entender o conceito de direito administrativo.

 

Alexandre Mazza (2017, p. 77), ao analisar a função administrativa a conceitua “como aquela exercida preponderantemente pelo Poder Executivo, com caráter infralegal e mediante utilização de prerrogativas instrumentais”.

 

Tomando por base o conceito do citado autor, extraímos três elementos de extrema importância para compreendermos a função administrativa, quais sejam:

 

(i)          Função administrativa é exercida preponderantemente pelo Poder Executivo;

(ii)         Função administrativa é exercida em caráter infralegal;

(iii)        Função administrativa é exercida mediante a utilização de prerrogativas instrumentais;

 

Para melhor compreensão da função administrativa, passamos a decifrar cada um dos elementos acima listados.

 

1. Função administrativa é exercida preponderantemente pelo Poder Executivo

 

Conforme se extrai do art. 2º da CF/88, o Brasil adota a tripartição dos poderes (executivo, legislativo e judiciário), sendo que eles são independentes e harmônicos entre si.

 

O Poder Constituinte Originário optou por utilizar duas qualificações ao se referir os três poderes – independência e harmonia, as quais passamos a interpretar.

 

A independência é assegurada pela atribuição a cada um dos Poderes uma função própria, também chamada de típica ou preponderante. A harmonia, por sua vez, é garantida pela atribuição a cada um dos poderes, além de sua tarefa preponderante, a função própria dos outros poderes, que são chamadas de funções atípicas ou não preponderante.

 

A função típica é a tarefa essencial de cada um dos poderes, deste modo teremos:

 

A função típica do Poder Legislativo é a inovação do ordenamento jurídico por meio da criação / modificação das leis infraconstitucionais. Este Poder é detentor de uma verdadeira função primária, pois poderá criar direitos e obrigações a todos os integrantes da sociedade. Frise-se que o Poder Executivo e o Poder Judiciário apenas aplicam as normas criadas pelo parlamento.

 

O Poder Judiciário tem como função típica a solução definitiva de conflitos de interesse, também chamada de função jurisdicional. De rigor observar que uma das principais características do Poder Judiciário é inércia (também chamado de inércia de jurisdição), ou seja, o Judiciário só aplicará o direito ao caso concreto se for provocado, pelos interessados, a agir.

 

Por fim, a função típica do Poder Executivo é a função administrativa, que se manifesta pela defesa do interesse público, que é objeto de estudo deste módulo. Cabe consignar que as competências da Administração Pública podem ser exercidas de ofício ou mediante provocação do interessado.

 

A função administrativa e a função jurisdicional são funções secundárias, pois somente aplicam a lei ao caso concreto, nos termos da criação do parlamento.

 

Em resumo, casa um dos Poderes possuem um núcleo decisório essencial onde reside sua independência em relação aos outros Poderes.

 

Assim termos, o Poder Legislativo com a edição de leis. O poder Judiciário com autoridade sobre a coisa julgada e, por fim, o Poder Executivo com o mérito administrativo.

 

O mérito administrativo é “o juízo de conveniência e oportunidade feito sempre que se tornar necessária a tomada de decisão a respeito do melhor caminho para a defesa do interesse público” (MAZZA, 2017, p. 80).

 

Para assegurar a harmonia entres os Poderes da República, conforme dito anteriormente, o Poder exerce, em caráter excepcional, a atividade própria do outro Poder, chamada de função atípica ou não preponderante.

 

Em decorrência do carácter excecional da função típica, se faz necessária algumas considerações, quais sejam:

 

I – A função atípica de cada um dos Poderes República está prevista na própria CF/88;

 

II – Normas constitucionais que tratam da função não preponderante devem ser interpretadas de forma restritivas;

 

III – A ampliação do rol definidor das funções atípicas é inconstitucional.

 

É cediço que o Poder Legislativo e Poder Judiciário exercem, de forma não preponderante, a função administrativa. P.ex.: realização de licitação pública para aquisição de material de escritório; realização de concurso público para provimento de cargos ou empregos públicos; etc.

 

Ad argumentandum tantum, o exercício da função atípica pelo Poder Legislativo e Poder Judiciário é revestido dos mesmos direitos e prerrogativas quando executado diretamente pelo Poder Executivo.

 

Neste sentido, a título de exemplo, é o disposto no art. 1º e seu parágrafo primeiro, da Lei nº. 9.784/99, in verbis:

 

Art. 1º - Esta Lei estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração.

§1º - Os preceitos desta Lei também se aplicam aos órgãos dos Poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa. (g.n.)

 

Diante disto, a função administrativa é exercida de forma típica pelo Poder Executivo e de modo não preponderante pelos Poderes Legislativos e Judiciário, sendo que tal previsão não ofende o preceito constitucional da tripartição dos Poderes da República.

 

2. Função administrativa é exercida em caráter infralegal

 

Para compreensão deste tópico, se faz necessário tecer breves comentários acerca da teoria pura do direito de Hans Kelsen, no qual comparava o ordenamento jurídico a uma pirâmide.

 

O topo da pirâmide é reservado para Constituição Federal, as emendas constitucionais promulgadas pelo Poder Constituinte Reformador e, ainda, aos tratados de direitos humanos aprovados pelo Congresso Nacional, em duas Casas (Câmara e Senado), em dois turnos, por 3/5 dos votos de seus membros, que são equivalentes à emenda constitucional.

 

O centro da pirâmide é guardado para as leis infraconstitucionais, aprovadas pelo Poder Legislativo, seguindo das regras constitucionais para a criação / modificação das diversas leis.

 

E a base da pirâmide de Kelsen consta os chamados atos normativos infralegais, cujo exemplo citamos os atos administrativos.

 

A função administrativa é exercida em nosso ordenamento jurídico por meio dos atos administrativos e, por isso, são subordinados ou submissos às leis infraconstitucionais.

 

Por isso, diante do confronte entre a Lei e um ato administrativo, aquela prevalecerá sobre este.

 

Pelo exposto, percebe-se que a função administrativa se manifesta por meio dos atos normativos, que é classificado como sendo um ato normativo infralegal. Dai a conclusão de que a função administrativa é exercida em caráter infralegal.

 

3. Função administrativa é exercida mediante a utilização de prerrogativas instrumentais

 

O administrador é o responsável pela defesa do interesse público. Para concretização deste interesse, a administração pública entrega ao agente público poderes especiais, prerrogativas ou privilégios, que lhes são entregues em razão da função desempenhada.

 

Importante observar que os mencionados poderes estão sempre atrelados a ideia de cumprimento de um dever, dia a expressão muito utilizada no direito administrativo “poder-dever”.

 

A utilização deste poder-dever em defesa de interesses privados, acarretará a nulidade do ato por desvio de finalidade, também conhecido por desvio de poder ou tredestinação ilícita.

 

4. Distinção entre função administrativa e função política

 

Outro ponto importante para ser abordado é distinção existente entre a função administrativa e função política.

 

No que tange a forma de governo, o Brasil adota o sistema presidencialista, no qual o chefe do Poder Executivo acumula dupla função, quais sejam: (i) chefe de Estado e (ii) chefe de governo.

 

Ao exercer a função de chefe de governo, o Presidente da República concentra as funções (a) política e (b) administrativa. Lembrando que esta é objeto de estudo do direito administrativo, ao passo que aquele é estudada pelas ciências políticas.

 

A função política, também chamada de função de governo, guarda relação com a gestão da vida política do Estado, sendo sua existência indispensável para a manutenção do próprio Estado.

 

Nos termos de Renato Alessi, a função política implica

 

“uma atividade de ordem superior referida à direção suprema e geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade, dirigida a determinar os fins da ação do Estado, a assinalar as diretrizes para as outras funções, buscando a unidade da soberania estatal”.

 

Em outras palavras, a função de governo é responsável por tomar as decisões políticas no país, relacionada à administração superior do interesse do Estado, tanto no plano interno, como no externo.

 

A discricionariedade encontra seus graus mais elevados diante da função política, pois haverá independência nas tomadas de suas decisões, as quais, via de regra, não é analisada pelo Poder Judiciário.

 

Como exemplo da função política podemos trazer (i) projeto de lei encaminhado ao Congresso Nacional de iniciativa privativa do Presidente da República; (ii) sanção e/ou veto presidencial em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional; (iii) decretação do Estado de Defesa e Estado de Sítio; (iv) fixação das diretrizes ou planos governamentais; (v) declaração de guerra; etc.

 

Cabe mencionar que a função política tem sua competência extraída do próprio texto da Constituição Federal de 1988, que se substancia em nosso ordenamento jurídico por meio dos atos de governo.

 

Por fim, podemos entender que a função de governo é a decisão política que determinará o rumo da política pública a ser adotada pelo Estado, ao passo que a função administrativa consiste na execução das decisões adotadas pela função de governo.

 

Diante disto, a função política não pode ser confundida com a função administrativa, sob pena de se confundir acerca do objeto de estudo do direito administrativo.

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