Noções introdutórias ao Direito Administrativo

 

1. Origem, desenvolvimento e autonomia do direito administrativo

 

Ao analisarmos a história da humanidade, de algum modo, já havia a noção de uma administração pública, haja vista a existência de uma organização política voltada a atender as necessidades básicas da coletividade.

 

No período intitulado de Idade Média não há que se falar em direito administrativo, uma vez que o Estado é marcado pelo absolutismo, no qual todo poder se concentra nas mãos do monarca. O Estado absolutista é marcado pela forte centralização de poder na figura do Rei, inclusive sendo lembrado pela celebre frase proferida pelo Rei Luiz XIV que consigna que “O ESTADO SOU EU”, que pode sintetizar o regime absolutista vivido por boa parte da Europa Ocidental.

 

O direito administrativo, como ramo da ciência jurídica, é relativamente recente, tendo sua origem marca no final do Século XVIII e início do Século XIX, se confundindo com o surgimento do Estado Moderno e as Revoluções que ocorriam na Europa Ocidental buscando a implementação / consolidação do iluminismo.  

 

Oswaldo Aranha Bandeira de Mello afirma que o direito administrativo

 

“constitui disciplina própria do Estado Moderno, ou melhor, do chamado Estado de Direito, porque só então se cogitou de normas delimitadoras da organização do Estado-poder e de sua ação, estabelecendo balizas às prerrogativas dos governantes, nas suas relações recíprocas, e, outrossim, nas relações com os governados, Na verdade, o Direito Administrativo só se plasmou como disciplina autônoma quando se prescreveu processo jurídico para atuação do Estado-poder, através de programas e comportas na realização de suas funções.”

 

Em outras palavras, o direito administrativo surge como ramo do direito a partir do surgimento do Estado de Direitos, no qual se exige que até mesmo a administração pública seja submissa ao império das leis e da jurisdição, no qual há limitação do poder estatal e a responsabilização dos agentes públicos por seus atos arbitrários praticados.  

 

Para muitos doutrinadores, o marco que é visto como o nascimento do direito administrativo é o ano de 1800, momento em que é elaborada uma lei francesa (Lei 28 de Pluvioso do Ano VII) que regulou a organização administrativa daquele Estado.

 

Na França, foi criada a cadeira de direito administrativo na Universidade de Paris, no ano de 1817, que consagra o direito administrativo como um dos ramos do direito.

 

Percebe-se que nossa disciplina tem como berço o direito francês, no qual foi se consolidando ao longo dos anos e expandiu-se para o resto do mundo, chegando ao Brasil no ano de 1851, o qual ganhou seus primeiros passos com a edição do Decreto Imperial nº. 608, de 16 de agosto do citado ano, que determino que os cursos de direito existentes no Império (Recife e São Paulo), instalassem cadeiras de Direito Administrativo em suas grades curriculares.

 

A primeira obra doutrinária brasileira de direito administrativo foi publica no ano de 1857, intitulada “Elementos de Direito Administrativo Brasileiro”, do autor Vicente Pereira do Rego.

 

Contudo, o direito administrativo brasileiro sofreu forte influência do direito italiano e, com a implantação da República, do direito público norte-americano.

 

Ao longo do Século XX, o direito administrativo se consolida e evolui significativamente, atingindo seu ápice com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que passa a priorizar o cidadão e a dignidade da pessoa humana.

 

Por fim, consignamos que nos dias atuais não há divergência na doutrina acerca da autonomia didática e científica do direito administrativo em face dos demais ramos da ciência jurídica.

 

O direito administrativo possui objeto de pesquisa própria bem delimitado, que são as regras disciplinadoras da função pública e, ainda, sofre influência de princípios específicos, tais como a legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, etc.

 

2. Noção de Estado

 

Para Hely Lopes Meirelles, o conceito de Estado sofre variações de acordo com o ângulo em que é considerado e, neste sentido temos:

 

“do ponto de vista sociológico, o Estado é corporação territorial dotada de um poder de mando originário; sob o aspecto político, é comunidade de homens, fixada sobre um território, com poder superior de ação, mando e coerção; sob o prisma constitucional, é pessoa jurídica territorial soberana” (g.n.).

 

De outra banda, o Estado é uma pessoa jurídica de direito público, dotado de personalidade jurídica, que o permite, em âmbito interno e internacional, adquirir direitos e contrair obrigações perante o ordenamento jurídico.

 

Nos termos do art. 40 do Código Civil, as pessoas jurídicas de direito púbico interno são (i) União, (ii) Estados-membros, Distrito Federal e território, (iii) Municípios, (iv) as autarquias, inclusive as associações públicas e (v) as demais entidades de caráter público criadas por lei.

 

O Estado é formado por três elementos, quais sejam: povo, território e soberania, que são indissociáveis e indispensáveis para a formação de um estado independente.

 

O povo é o componente humano do Estado, formado, em uma singela concepção, pelo cidadão, composto pelos brasileiros natos e naturalizados e os estrangeiros residentes no país, nos termos do art. 12 da Constituição Federal.

 

O território é o local aonde o povo se estabelece, ou seja, é a base física do Estado, compreendido pelos limites das fronteiras nacional, o mar territorial – 12 milhas contadas da fronteira litorânea – (art. 1º da Lei nº. 8.617/93) e o espaço aéreo subjacente ao nosso território físico e ao mar territorial (art. 2º da Lei nº. 8.617/93)

 

Por fim temos a soberania, que é marcado pelo Estado independente, não sendo submisso na ordem interna e internacional a qualquer poder ou vontade diversa daquelas derivadas de seu povo, cujas características são indivisibilidade, inalienabilidade, independência e intransferível.

 

2.1. Forma de Estado

 

Existem duas formas de organização política de um Estado, quais sejam: estado unitário e estado federado. Passamos a distingui-los.

 

O estado unitário tem como principal marca a centralização política, concentrada em único poder central, do qual irradia sua competência para todo o território nacional e para toda a população.

Darcy Azambuja explica que:

 

“Estado Simples é aquele em que somente existe um Poder Legislativo, um Poder Executivo e um Poder Judiciário, todos centrais, com sede na Capital. Todas as autoridades executivas ou judiciárias que existem no território são delegações do Poder Central, tiram dele sua força; é ele que as nomeia e lhes fixa as atribuições. O Poder Legislativo de um Estado Simples é único, nenhum outro órgão existindo com atribuições de fazer leis nesta ou naquela parte do território” (g.n.).

 

A título de exemplo, citamos alguns países que adotam o estado unitário em sua organização política, são eles: Reino Unido, China, França, Uruguai e Paraguai.

 

O estado federado, também chamado de estado complexo ou composto, por outro lado, é marcado pela descentralização política, no qual, em um mesmo território, convive diferentes entidades políticas autônomas, distribuídas regionalmente pelo território nacional.

 

Pinto Ferreira, ao abordar o assunto, consigna que:

 

“O Estado Federal é uma organização formada sob a base de uma repartição de competências entre o governo nacional e os governos Estaduais, de sorte que a União tenha supremacia sobre os Estados-Membros e estes sejam entidades dotadas de autonomia constitucional perante a mesma União” (g.n.).

 

Brasil, Estados Unidos da América, Canadá, Índica e México são os principais exemplos da países que adotam o Estado Federal.

 

Cabe a nós consignarmos que o federalismo brasileiro é diferente do federalismo dos Estado Unidos da América, pois este adota o federalismo de primeiro grau, no qual a União delega parcela de suas competências aos Estados, lhe dando autonomia.

 

O federalismo brasileiro é chamado de federalismo de segundo grau, no qual a União delega parcela de suas atribuições aos Estado e aos Municípios, lhes dando autonomia e independência.

 

A Constituição Federal de 1988 optou pela adoção do estado federado, no qual existe um poder central, representado pela União, os poderes regionais, encabeçados pelos Estados e os poderes locais de titularidade dos Municípios, sendo que o Distrito Federal não pode ser dividido em municípios e, por isso, acumula as atribuições dos Estados e dos Municípios.

 

A forma federativa de Estado constitui em cláusula pétrea em nosso ordenamento jurídico, que não pode ser abolida por força de emenda constitucional, nos moldes do art. 60, §4º, inciso I, da CF.

 

Art. 60, §4º, da CF - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (inciso I) a forma federativa de Estado

 

No federalismo brasileiro, não há hierarquia ou subordinação entre os entes federados. Na verdade, existe uma relação de coordenação pautada na autonomia política, administrativa e financeira.

 

2.2. Poderes do Estado

 

O Brasil adota o clássico modelo de tripartição de poderes criada por Montesquieu, no qual os Poderes do Estado são legislativo, executivo e judiciário.

 

Esta posição visa garantir a divisão estrutural do poder e impedir que todos os poderes do Estado fiquem concentrados nas mãos de única pessoa ou órgão.

 

Neste sentido, é o disposto no art. 2º da CF: “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

 

Cabe, ainda, observar que a tripartição dos poderes, também chamado de princípio da divisão orgânica das funções do Estado, é considerada cláusula pétrea em nosso ordenamento jurídico, o que impede de ser objeto de proposta de emenda constitucional que visem abolir tais poderes do seio constitucional.

 

Art. 60, §4º, da CF - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir (inciso III) a separação dos Poderes

 

Com a pretensão de garantia maior independência, interpenetração, coordenação e harmonia entre os três poderes da República, o Constituinte Originário atribui a cada um dos poderes uma função que preponderante, também chamada de função típica.

 

Neste sentido, o Poder Executivo exerce a função pública, o Poder Legislativo desempenha a função legislativa e o Poder Judiciário realizada função jurisdicional.

 

Entretanto, os mesmos Poderes desempenham funções não preponderantes, chamadas de funções atípicas, que são atribuídas aos demais poderes da República.

 

Diante disto, o Poder Executivo desempenha a função atípica legislativa e de julgamento, o Poder Legislativo exerce de forma não preponderante a função administrativa e de julgamento e, por fim, o Poder Judiciário realiza a função administrativa e legislativa de modo atípico.

 

Por derradeiro, consignamos que a administração pública brasileira não se restringe ao Poder Executivo, haja vista o fato de termos administração pública em todos os entres federados.

 

3. Noções de governo

 

A expressão governo é empregada para designar o conjunto de órgãos constitucionais responsáveis pela função política do Estado.

 

Nos dizeres de Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo

 

“o governo tem a incumbência de exerce a direção suprema e geral do Estado, determinar a forma de realização de seus objetivos, estabelecer as diretrizes que pautarão uma atuação, os planos governamentais, sempre visando a conferir unidade à soberania estatal”.

 

A noção de governo está intimamente ligada a função política ou de governo, no qual determina o comando, a coordenação, a direção, bem como a fixação de planos e diretrizes das políticas públicas do Estado.

 

3.1. Sistema de governo

 

A relação existente entre os Poderes Executivo e Legislativo vai determinar o sistema de governo adotado, que poderá ser presidencialista ou parlamentarista.

 

No sistema presidencialista é pautado na divisão dos Poderes, que serão independentes e harmônicos entre si. O Presidente da República acumula, ao mesmo tempo, a função de chefe de Estado e chefe de governo, cumprindo mandato fixo (04 anos). O Poder Legislativo, por sua vez, não está sujeito a dissoluções pelo Poder Executivo, pois seus membros são eleitos por mandato certo (04 anos para deputados e 08 anos para senadores).

 

No parlamentarismo, por sua vez, há colaboração entre os Poderes Executivo e Legislativo. O Poder executivo é divido em chefia de Estado – exercida pelo Presidente ou Monarca – e chefia de governo – desempenhada pelo Primeiro Ministro (também chamado de Chanceler) ou Conselho de Ministros. O Primeiro Ministro permanece no desempenho de suas funções enquanto existir confiança do Parlamento.

 

Na hipótese de o Parlamento perde a confiança do governo, o Primeiro Ministro é exonerado, dando lugar a formação de um novo governo. Se o governo entender que o Parlamento perdeu a confiança do povo, realiza a dissolução do Parlamento e convoca novas eleições para formação de outro Parlamento.

 

O Brasil optou por adotar o sistema presidencialista, no qual o Presidente de Replica exerce, ao mesmo tempo, a chefia de Estado e a chefia de Governo.

 

3.2. Forma de governo

 

A forma de governo é delimitada de acordo com a maneira como se dá a instituição e transmissão do poder dentro da sociedade. Existindo duas formas de governo, quais sejam: república ou monarquia.

 

Na república temos como principais marcas a eletividade e a temporalidade dos mandatos do Chefe do Poder Executivo, sendo que este poderá ser responsabilidade pela prestação de contas de seu governo.

 

De outro lado, temos a monarquia caraterizada pela hereditariedade e vitaliciedade, vigorando a irresponsabilidade na prestação de contas do governo.

 

O Brasil optou pela adoção do sistema republicano.

 

Contudo, cabe consignar que, por opção do Poder Constituinte Originário, no ano de 1993, o povo brasileiro teve a opção de escolher forma de governo (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo), nos termos do art. 2º dos Atos de Disposições Constitucionais Transitórios.

 

Sendo escolhido pelo povo brasileiro a República Presidencialista, que vigora até os dias atuais.

 

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